Aquela primeira Sexta-Feira Santa, no Calvário, ainda não acabou. Continua ainda hoje.
Poderíamos dizer que, em muitas partes do mundo , hoje ainda é Sexta-feira Santa: muitos discípulos de Jesus dão a vida pela fé. O seu martírio é uma grande lição para todos nós, que vivemos sem entraves, num estado de paz e de liberdade. Devemos estar conscientes deste facto.
O martírio, que os novos mártires testemunham poderosamente, interpela-nos. Permitam-me que partilhe convosco um sinal pessoal: uso esta cruz peitoral, que pertenceu a Monsenhor Oscar Romero, morto em 1980 enquanto celebrava a Eucaristia. Quiseram silenciá-lo porque defendia os pobres. Em vez disso, a sua voz continua a falar-nos.
Gostaria de resumir o caminho de tantas testemunhas da fé com uma breve homilia que ele fez diante do caixão de um dos seus sacerdotes, assassinado pelos esquadrões da morte. Romero disse:
"O Concílio Vaticano II - poderíamos dizer o próprio Evangelho - pede a todos os cristãos que sejam mártires, ou seja, que dêem a vida pelos outros. Alguns são convidados até ao derramamento de sangue, como este padre. Mas a todos, de formas diferentes, é pedido que ofereçam a sua vida”.
É o caso de tantos mártires de hoje: no Médio Oriente, em África, na Ásia, mas também na Europa. O cristianismo tem no seu coração a dimensão do martírio, isto é, uma vida doada, gasta pelos outros.
Este é o verdadeiro testemunho cristão: viver para os outros. E diz respeito a cada um de nós. O martírio não é apenas um facto de sangue: é um modo de vida, é o antídoto contra o individualismo. Mesmo no cristianismo, por vezes, enraizou-se uma mentalidade perigosa: viver apenas para si próprio. É um vírus que enfraqueceu a fé e a vida de muitos.
Mas esta não é a lógica do Evangelho, é o “Evangelho do mundo”. A Jesus, debaixo da cruz, disseram : “Pensa em ti! Desce da cruz, e nós acreditaremos”. Mas não é esse o caminho do Evangelho.
"Amai-vos uns aos outros como eu vos amei ” - isto é, até ao ponto de dar a vida. Só assim, diz o Evangelho, podemos reconhecer que somos discípulos do Senhor.
Caros amigos, hoje, nesta Sexta-feira Santa, redescobrimos o coração do cristianismo, que é o próprio coração de Deus. Deus amou tanto o mundo que deu o seu Filho: Jesus deixou o paraíso e veio para a terra. Em Belém, não encontrou lugar, nasceu num estábulo. Em criança, foi ameaçado de morte, tornou-se um refugiado. Regressado à sua pátria, passou toda a sua vida ao serviço dos outros. No fim, foi crucificado.
Este é o exemplo do verdadeiro discípulo de Jesus: seguir o Mestre significa dar a vida por todos, como fez também São Pio de Pietrelcina. Mas é um apelo para cada um de nós, sempre que vivemos o Evangelho.
Os estigmas de Cristo são precisamente isto: o compromisso de gastar a vida não para si mesmo, mas para os outros.
Hoje, todos nós estamos debaixo da cruz. Isso significa estar com Jesus. E significa também desejar um mundo diferente: um mundo liberto das guerras, da violência, da injustiça e da solidão.
O Evangelho de Jesus pede-nos: dar a vida pelos outros. E é assim que a encontraremos. Em abundância.